quinta-feira, 3 de dezembro de 2015

A ARTE DO REAL




No dia da primeira exibição pública do cinema - 28 de dezembro de 1895, em Paris -, um homem de teatro que trabalhava com mágicas, Georges Méliès, foi falar com Lumiére, um dos inventores do cinema; queria adquirir um aparelho e Lumiére o desencorajou, disse-lhe que o  "Cinematógrafo" não tinha o menor futuro como espetáculo, era um instrumento científico para reproduzir o movimento e só poderia servir para pesquisas. Mesmo que o público, no início, se divertisse com ele, seri uma novidade de vida breve, logo cansaria. Luniére enganou-se. Como essa estranha máquina de austeros cientistas virou uma máquina de contar histórias para enormes plateias de geração em geração, durante quase um século?
Nesse 28 de dezembro, o que apareceu na tela do "Grand Café"? Uns filme curtinhos, filmados com a câmara parada, em preto-e-branco e sem som. Um em especial emocionou o público; a vista de um trem chegando na estação, filmada de tal forma que a locomotiva vinha de longe e enchia a tela como se fosse projetar a platéia. O público levou um susto, de tão real que a locomotiva parecia. Todas essas pessoas já tinham com certeza viajadas ou visto um trem verdadeiro na tela, logo não havia porque se assustar. A imagem da tela era em preto-e-branco e não havia ruídos, portanto não podia haver dúvida, não se tratava de uma ilusão. E aí que residia a novidade: na ilusão. Ver o trem na tela como se fosse verdadeiro-embora a gente saiba que é uma mentira-que dá para fazer de conta, enquanto dura o filme, que é faz num sonho não é real, mas isso só sabemos depois que pensamos que é verdade. Essa ilusão de verdade que se chama impressão de realidade, foi provavelmente a base do grande sucesso do cinema(...).
A máquina cinematográfica não caiu do céu. Em quase todos os países europeus e os Estados Unidos, no fim do século XIX, foram-se acentuando as pesquisas para a produção de imagens em movimento. É a grande época da burguesia triunfante; ela está transformando a produção, as relações de trabalho, a sociedade, com a Revolução Industrial: ela está impondo seu domínio sobre o mundo ocidental, colonizando uma imensa parte do mundo ,que posteriormente viria a se chamar de Terceiro Mundo (...). Dessa época, no fim do século XIX, início deste, datam a implantação da luz elétrica, a do telefone, do avião, etc., evidentemente, mas essas artes já existiam antes dela. A arte que se cria é o cinema.
Não era uma arte qualquer. Reproduzia a vida tal como é - pelo menos essa era a ilusão. Não deixava por menos, burguesia. Juntava-se a técnica e a arte para realizar o sonho de produzir a realidade.


(Jean-Claude Benardet, O que é um cinema, pp. 11-5).

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